Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 1 de junho de 2011
DILMA E AS PROVAS DE FOGO
Por Aldo Fornazieri*
Por ocasião da passagem dos cem dias do
governo Dilma produziram-se, de modo geral, dois tipos de análises,
ambos equivocados. Uns cobravam da presidente a realização de um
programa impossível de realizar em tão curto espaço de
tempo. Numa conjuntura de continuidade, como é a atual, em cem dias
não havia como fazer muita coisa diferente do que foi feito. Outros
vislumbraram uma mudança extraordinária no governo e novos rumos
imprimidos por Dilma em relação ao governo Lula. O estilo
recatado e gerencial de Dilma era apontado como qualidade nova e essencial que,
por si só, já atestaria o sucesso do governo. O suposto
gerencialismo de Dilma foi usado como um antídoto para combater o
politicismo e o dirigismo de Lula.
A ênfase no gerencialismo, quando se trata da discussão das
qualidades de um governante, representa um significativo equívoco. As
qualidades que se requerem de um líder político são bem
diversas das de um bom gerente. O gerente, como regra, lida com
situações definidas, com orçamentos adequados, com altas
condições de controle de variáveis e com
situações e obediências quase expressas de subordinados. O
líder político lida com conjunturas de imprevisibilidade, com
recursos escassos e com alto grau de conflitos. Precisa dirigir e orientar o
povo, coordenar aliados e combater adversários. Precisa lidar com o
impacto de ações de múltiplos sujeitos sobre o Estado e
sobre o governo. Do governante se requer o domínio da arte
política e virtudes bem diversas das do gerente.
Se o líder político tiver capacidades gerenciais, tanto melhor.
Mas, a rigor, não precisa tê-las. Recruta quem as tem. Ele precisa
ter capacidade de comando, de direção e de imprimir sentido
à ação de liderados e à sociedade. Um bom gerente
poderá ser um bom governante. Mas não o será por ser um
bom gerente, mas por ter qualidades políticas pertinentes.
Como se sabe, a presidente Dilma, em sua carreira pública, foi mais
afeita a funções gerenciais que de liderança
política propriamente dita. Para ter êxito como presidente
terá de se tornar líder política no sentido estrito da expressão.
Passado o período do crédito político obtido pela vitória,
pela herança positiva do governo Lula e pela alta expectativa que o povo
sempre nutre pelos novos governantes, agora Dilma começa a ingressar num
período de provas de fogo, no qual sua capacidade de liderança
política será cada vez mais testada.
Dilma enfrentou prematuramente uma prova de fogo: a crise envolvendo o ministro
Palocci. Permanecendo Palocci no governo ou saindo, Dilma e o governo
estão arcando com um desgaste inevitável. O problema é
saber qual será o menor desgaste: manter Palocci ou afastá-lo. Em
episódios desse tipo, a melhor teoria maquiaveliana do bom governo tem
recomendações expressas. O líder - no caso, Dilma - deve
prestigiar apenas ministros que honram o governo por sua eficácia, sua
competência e seu compromisso com a coisa pública. Nos demais
casos, o líder não deve fidelidade a ministros. São os
ministros que devem fidelidade ao governante. O governante deve, acima de tudo,
fidelidade ao povo que o elegeu. Lula e FHC, de modo geral, procederam bem
nesses casos: desfizeram-se de ministros problemáticos. Um governante
precisa saber que da mesma forma que não pode ter superministros, pois
estes enfraquecem a figura do líder, não pode julgar nenhum
ministro insubstituível. Supor a existência de ministros
insubstituíveis é um indicador de fraqueza do próprio
governante.
A crise envolvendo Palocci e a derrota do governo na votação do
Código Florestal confirmam a ideia de que o principal desafio de Dilma
é político. A intervenção de Lula para controlar a
crise, embora aparentemente necessária, é inadequada para Dilma,
pois sinaliza a sua dificuldade de condução política. Por
outro lado, continua valendo a tese de que denúncias de
corrupção poderão ser fatais para o êxito
político do governo Dilma. Governantes que não têm um
lastro de enraizamento popular são muito mais suscetíveis de
perder prestígio e credibilidade em face de denúncias.
Denúncias, além de municiarem a oposição com poder
de fogo, aumentam o poder de barganha dos aliados sobre o governo.
Na verdade, a construção política que está sendo
processada em torno da figura da presidente Dilma já vinha apresentando
sinais de equívocos e de limites antes da crise Palocci. A ideia de uma
presidente recatada e recolhida, pouco exposta ao público, é equivocada.
Por vivermos numa sociedade dinâmica, marcada pela mobilidade social e
definida por uma sociabilidade emotiva, requer-se um governante presente e
ativo no comando e na orientação dos rumos políticos,
sociais e econômicos do País.
A presidente da República deve ser o centro da agenda política do
País. Seu contanto com o público, com a opinião
pública, deve ser permanente, orientador dos rumos do País e
renovador das esperanças. Mesmo em momentos de calmaria política
e de ausência de perturbações o governante deve renovar as
esperanças do povo e da nação, despertando suas energias e
potências, dirigindo o presente apontado o futuro. Sem esta fantasia real
e mobilizadora não há bom governo.
O espaço político não comporta vazios. Ou é ocupado
por quem governa ou será ocupado pelo advento dos imprevistos, da
má fortuna e pela agenda negativa. Poderá ser também
ocupado pelo aparecimento de uma nova liderança ou pela
oposição. Mas, neste ponto, como a oposição
também está em crise, Dilma não deixa de ter sorte. O
problema todo é que a política do País pode mergulhar num
período de anomia e apatia, e isso não é bom para o
Brasil, que precisa de virtudes republicanas e competência dos
líderes e governantes para enfrentar os desafios do século 21.
*ALDO FORNAZIERI é Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
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