O tema da corrupção parece ter entrado com força na
agenda política do País - ao menos momentaneamente. A queda de cinco
ministros envolvidos em denúncias, inúmeros casos de corrupção em
prefeituras, Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, governos estaduais
e no Senado amplificaram o tema na opinião pública, criando a impressão de
que há uma corrupção generalizada nas estruturas do poder. Para além do
caráter escandaloso dos eventos, outro fator contribui para uma tolerância
cada vez menor da sociedade em relação à corrupção: a mudança do perfil
social, com a ampliação dos níveis de instrução e informação.
Esses dois fatores fizeram o tema da moralidade pública ganhar as redes
sociais e as ruas na forma de vários protestos que se disseminaram a partir
do dia 7 de setembro. Esses protestos são marcados por uma curiosidade:
convocados espontaneamente, não são patrocinados pela oposição e não contam
com a participação dos movimentos sociais organizados, menos ainda com a
presença das agremiações de esquerda e do PT.
Se tomarmos, para efeito de análise do tema da corrupção, o recorte temporal
que vem do processo de redemocratização para cá (1985-2011), é possível dizer
que a esquerda teve duas posições completamente distintas sobre o assunto.
Do governo José Sarney ao final do governo Fernando Henrique Cardoso, a
esquerda, particularmente o PT, exerceu uma espécie de monopólio da
representação da indignação moral da sociedade contra a corrupção. O PT
desfraldou a bandeira da moralidade pública como um dos principais ativos da
construção de seu processo de legitimação, que terminou levando o partido e
Lula ao poder.
O campo de batalha onde foi travada essa luta teve várias frentes: proposição
de comissões parlamentares de inquérito (CPIs), passeatas, discursos em
manifestações políticas, denúncias em tribunas parlamentares, recursos ao
Ministério Público e afirmação de princípios em documentos e congressos. Não
foi de somenos importância, no processo da construção do PT e de sua
legitimidade, a conquista de posições morais junto à opinião pública. Parte
importante das chamadas classes médias aderiu ao partido por causa da
bandeira da moralidade pública e do combate à corrupção.
Se bem que algumas denúncias de corrupção pipocassem em prefeituras
administradas pelo PT antes do escândalo do mensalão, foi este evento que
tirou o calço moral do partido e proporcionou o seu reposicionamento sobre o
assunto. Certamente a grande maioria dos petistas, a militância de base, é
contra a corrupção. Mas ela vem sendo submetida a um silêncio obsequioso
sobre o tema por parte da estrutura do partido. Silêncio que, perigosamente,
se vai tornando costume e perda de capacidade de indignação. O problema vai
além: setores do PT, de outros partidos de esquerda e até mesmo intelectuais
elaboram argumentos que, no fundo, são justificadores da corrupção praticada
nos governos populares que essas agremiações encarnam.
Um dos principais argumentos justificadores é o de que as atuais denúncias
contra a corrupção representam uma criminalização da política e dos
políticos, resultando em despolitização e repulsa à política. Ora, se
houvesse um denuncismo vazio, destituído de fatos, o argumento até poderia
ser levado a sério. Mas as denúncias não foram desmentidas. Dessa forma, o
argumento não passa de uma cortina de fumaça, cuja função é a de acobertar
crimes contra o bem público. Não há nada mais antipolítico do que a
corrupção, pois ela corrói a confiança da sociedade na política, nos
políticos e nas instituições. A restauração da dignidade da política requer
um permanente zelo pela moralidade pública.
Um segundo argumento reza que as denúncias, patrocinadas "pela oposição
e encabeçadas pela mídia", têm por objetivo desestabilizar o governo
Dilma Rousseff, gerando uma incompatibilidade com a base aliada. As denúncias
teriam de ser rebatidas para garantir a governabilidade. Antes de tudo, é
preciso dizer que não é a mídia que cria o escândalo. É o escândalo que gera
a pauta. Todos sabem que para garantir a governabilidade no Brasil é necessário
um governo de coalizão. Mas não há nenhuma regra que diga que a coalizão, que
se expressa na composição do Ministério, tenha de ser constituída de
corruptos. Existem políticos honestos e competentes em todos os partidos.
Cabe perguntar: por que políticos com passivos morais sabidos são nomeados
para ministérios e altos cargos governamentais? Na verdade, são governos
corruptos que põem em risco a governabilidade e sua legitimidade.
Um terceiro argumento sustenta que a presidente Dilma "caiu numa armadilha"
ao, supostamente, aceitar a tese imposta da "faxina". Por um lado,
teria permitido que se estabelecesse um contraponto entre o governo dela e o
do Lula. Por outro, teria assumido o risco de se sujeitar à lógica das
pressões decorrentes das denúncias. Dilma, de fato, precisa agir com maior
presteza em reação a denúncias de corrupção, pois seu governo está em
consolidação e ela não tem um histórico de liderança popular. Permitir que se
acumulem denúncias sobre seu governo pode levar a um desgaste fatal.
Até agora, Dilma beneficiou-se perante a opinião pública por essa presteza.
Mas é preciso dizer que ela é responsável pelas nomeações e não pode delegar
essa tarefa ao líder do PMDB, ao presidente de outro partido ou a quem quer
que seja. E se ela é menos tolerante com o chamado "malfeito", isso
deve ser saudado como avanço e um benefício para o País, e não negado por
temor de comparações com o governo anterior.
O ideal seria que os políticos reagissem positivamente às pressões da
sociedade, dando bons exemplos e aprovando uma Lei de Acesso à Informação
Pública e um Estatuto Anticorrupção.
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