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Responsável Rui Tavares Maluf |
Por Rui Tavares Maluf*
Os países do Mercosul e da UNASUL criticaram com pesos diferentes mas resultados parecidos a cassação do mandato do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, ocorrida na sexta-feira, 22 de junho, especialmente pelo fato do Congresso Nacional ter dado pouquíssimo tempo para sua defesa, uma vez que todo o processo (da aceitação da denúncia à votação final por sua destituição) não tenha chegado a 40hs. A cassação foi motivada (principalmente) pela violência ocorrida durante processo de desocupação de uma propriedade rural, em 15 de junho, no qual morreram 17 pessoas, 6 dos quais policiais e o restante camponeses. E até o momento em que este texto era redigido nenhum dos países havia reconhecido o novo governo enquanto o Mercosul, em seu encontro iniciado em Mendoza, Argentina, em 28 de junho, decidiu suspender o Paraguai da participação das reuniões da entidade até a próxima eleição presidencial a ocorrer em abril de 2013. As condenações mais eloquentes, como a da Venezuela, classificaram o ato de golpe de estado e os mais brandos, entre os quais o Brasil, como um desrespeito ao direito de defesa. O governo argentino lembrou do Protocolo de Ushuaia pelo qual os sócios que romperem com as cláusulas democráticas serão penalizados por isso.
O novo governo do Paraguai foi assumido pelo até então vice-presidente Federico Franco (49) e enfatizou à imprensa que tudo se passou de acordo com a Constituição do país. Mais do que isso, destacou que nenhuma medida de exceção foi tomada e explicou a rapidez do processo de julgamento político como consequência do alto risco de disseminação da violência pelo País (argumento um tanto discutível em nosso entendimento). Ainda que o processo tenha sido respaldado pela Constituição, parece indiscutível que lembra o de um rito revolucionário, especialmente tratando-se da responsabilização do ocupante do cargo máximo do Estado. A Justiça, por sua vez, por meio da Suprema Corte, ratificou a decisão do Congresso Nacional após ação movida pelo agora ex-presidente Fernando Lugo (61), quem questionava a legalidade de sua destituição. No momento em que perdeu o cargo, Lugo disse aceitar a decisão embora declarasse que a vontade popular foi subtraída. Dois dias depois voltou atrás justificando ter feito a declaração a fim de evitar um derramamento de sangue em caso de resistência popular. É mais provável que sua mudança de atitude tenha sido motivada pela pressão exercida contra o novo governo pelos demais países da região. Ele chegou a formar um governo paralelo e informar que iria à reunião do Mercosul, neste dia 28, para passar a presidência pro-tempore da entidade para seu sucessor. Voltou atrás mais uma vez.
É muito bom que os países defendam a cláusula democrática como um critério de inclusão e/ou permanência na participação nas referidas entidades, especialmente quando pertencem à uma região sem uma longa e sólida tradição democrática. A literatura da ciência política já demonstrou com clareza que o fortalecimento do regime democrático de um país passa também pela valorização que a comunidade internacional confere ao mesmo. É por isso que não deixa de ser irônico verificar que as cobranças mais enfáticas venham de países como Venezuela, Bolívia e Equador cujos presidentes e forças políticas que os apoiam tenham invariavelmente mostrado desprezo pela democracia em seus países com atitudes concretas. Nesses países, por exemplo, a liberdade de imprensa tem sido regularmente desrespeitada e a Justiça tem sido claramente partidarizada perdendo sua impessoalidade paulatinamente no Equador e Bolívia e integralmente na Venezuela. Jamais no governo do ex-presidente Lula e no da atual presidente Dilma Rousseff, ambos do PT, houve qualquer reparo a tais deslizes. Uma quase exceção fica por conta da concessão de asilo político ao senador da Bolívia, Roger Pinto, que se refuguiou recentemente na embaixada do Brasil em La Paz. Mesmo nesse caso, o governo brasileiro sublinhou por nota divulgada pelo Itamaraty que a concessão não é um juízo de valor do governo brasileiro às ações do governo do presidente Evo Morales. De qualquer forma a postura do governo brasileiro é um pouco mais prudente do que a dos demais países da região.
Finalmente, será importante verificar o comportamento do novo governo do Paraguai frente ao seu isolamento com os sócios, como também o do referido bloco frente ao processo eleitoral na Venezuela, que terá eleição presidencial em outubro próximo, com um competitivo candidato de oposição, Henrique Capriles. Como este país quer se tornar sócio pleno do Mercosul, e o Congresso do Paraguai é o único da entidade que ainda não o aprovou, ter-se-á melhores condições para saber com quantos pesos e quantas medidas se dá a atenção às condições político-institucionais no referido bloco.
*Rui Tavares Maluf é sócio diretor de Processo & Decisão Consultoria e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Doutor em Ciência Política (USP) e mestre em Ciência Política (UNICAMP).
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