PROCESSO & DECISÃO CONSULTORIA Seção Documentos da História . Outubro de 2013
Leia o Artigo, O Que Até Agora Não Havia Sido Notícia, de Rui Tavares Maluf
Entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 28 de julho de 2013
A entrevista de Aldo Fornazieri, cientista político e diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), ao jornalista Roldão Arruda (com a colaboração de José Roberto de Toledo e ora reproduzida, é a que levou o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Ivan Sartori, a abrir dois processos contra sua pessoa. Lendo a entrevista, você poderá tirar suas próprias conclusões levando em conta o direito de opinião consagrado na Constituição do Brasil
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 15 de dezembro de 2012, à página 04
Por Aldo Fornazieri*
As especulações acerca da possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2014, ou até mesmo à Presidência da República, suscitam a oportunidade para discutir o papel político de um ex-presidente. Antes de tudo, há que registrar que essas especulações têm sido negadas pelo próprio Lula.
Na contemporaneidade, dois americanos - Jimmy Carter e Bill Clinton - poderiam ser adotados como modelos analíticos para se discutir uma possível tipologia de conduta de ex-presidentes. Jimmy Carter constitui o modelo por excelência: depois de sair derrotado na busca de um segundo mandato presidencial, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2002 e o reconhecimento e a admiração gerais por se dedicar a causas humanitárias universais. Bill Clinton, numa escala talvez um pouco menor, também exerce atividades nada desprezíveis, mobilizando recursos e vontades ligadas a causas humanitárias e a necessidades de grupos específicos. Esses dois ex-presidentes dos Estados Unidos criaram fundações ou institutos, preservam o seu legado e proferem palestras, levantando recursos seja para fins humanitários ou particulares.
Como exemplos de causas humanitárias e universais podem ser indicadas a luta pela paz mundial ou pela paz em conflitos localizados; o desarmamento nuclear; as lutas pela redução da fome, da miséria e da pobreza; a luta contra epidemias; o combate ao racismo e às discriminações; a luta pelo reconhecimento e por direitos de grupos sociais, sexuais e minorias étnicas; a questão ambiental, etc.
Se levarmos em conta apenas a atividade dos ex-presidentes brasileiros que foram eleitos diretamente e terminaram os seus mandados - Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT) -, podemos dizer que, grosso modo, não chega a haver uma diferença substantiva entre ambos. Fernando Henrique e Lula constituíram institutos, proferem conferências, intervêm em assuntos políticos conjunturais, participam de campanhas e desenvolvem atividades em seus respectivos partidos. O que há é uma variação de ênfases e de intensidade: Lula é mais assertivo na atividade política cotidiana. Já Fernando Henrique tende a se vincular a causas mais gerais.
Lula saiu do governo com um capital político maior do que o levado por Fernando Henrique. Por isso mesmo corre maiores riscos e terá de dedicar mais empenho para preservá-lo. O que pareceria recomendável, nessas circunstâncias, é uma ação orientada pela prudência, visando a manter o que alcançou e, na medida do possível, ampliar o que já tem em termos de reconhecimento e de conteúdo historicamente significativo. Mas o petista, ao que parece, dispõe-se a pôr o seu capital político em risco, com intervenções e apostas impetuosas. Mais cauteloso, Fernando Henrique, buscando preservar o que obteve, dispõe-se a correr riscos calculados e, na medida do possível, acrescentar algo mais ao que já conquistou.
Ser ex-presidente parece não ser uma tarefa nada fácil. Depois de ter ocupado a magistratura máxima do país, tudo o que fizer em termos políticos hodiernos terá um significado menor do que aquilo que já fez como presidente e correrá maiores riscos de desgaste. É justamente por isso que o aconselhável é que um ex-presidente se volte para atividades e causas de caráter humanista e universalizante. Do ponto de vista da política interna, deveria tornar-se uma espécie de conselheiro da nação, do povo, e do presidente em exercício. Deveria também conter-se para se pronunciar apenas em momentos históricos decisivos, em situações de crise, de dúvidas, emitindo conselhos positivos e expressando uma conduta exemplar. Essa tipologia de conduta acrescentaria a um ex-presidente mais reconhecimento e respeito.
O problema da conduta de um ex-presidente diz respeito ao que ele quer deixar como legado histórico. É de supor que uma pessoa que alcança a Presidência da República, além de deixar uma obra significativa para a História, busque alcançar a honra e a glória imorredoura, que era o objetivo perseguido pelos grandes líderes e estadistas do mundo antigo. Nesse sentido, um presidente que não seja um mero aproveitador das circunstâncias nem aja movido por vaidade e cobiça, que exerça a política por vocação e queira deixar um legado, buscará imprimir aos seus atos um sentido de grandeza e heroicidade.
O protótipo de herói, como nos mostra Hannah Arendt, foi Aquiles, que, depois de realizar grandes feitos, morreu jovem, impedindo que o tempo arruinasse o que havia conseguido. Alcançou assim a imortalidade da glória eterna.
Ninguém pode exigir a mesma coisa de um presidente ou de um ex-presidente. Com o desaparecimento do sentido trágico da existência (e da política), os políticos que não sucumbem à fama efêmera do momento têm a alternativa de buscar o heroísmo épico com o qual se procura contribuir de forma singular para a construção da História da nação. Ulisses, guiado pela astúcia e pela prudência, poderia servir de modelo.
Resta discutir o retorno de Lula. Ser governador de um Estado brasileiro é algo menor do que ser presidente da República, fator que representaria uma descapitalização do significado histórico do ex-presidente. Quanto ao retorno à Presidência, excetuando a trágica normalidade da pobreza e da desigualdade, o Brasil não vive um momento de excepcionalidade que requeira a presença de um "homem imprescindível", aos moldes de um Franklin Delano Roosevelt, que teve quatro mandados sucessivos.
A volta proporciona o risco de produzir resultados aquém daquilo que já se realizou. No retorno não há mais o vigor e a força do primeiro momento. Uma volta só se justificaria se o Brasil corresse grande perigo ou sofresse grave ameaça. Na experiência brasileira, na volta ao poder Getúlio Vargas teve de se resgatar com um tiro no coração.
*Aldo Fornazieri é diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), doutor em ciência política pela USP.
Aldo Fornazieri*
“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas...”. Sun Tzu
As pesquisas do Datafolha e do Ibope divulgadas nesta semana apontam para tendências contrárias. O Datafolha aponta para tendências de queda de Russomano e de Serra e de ascensão de Haddad. O Ibope aponta para tendências de queda de Serra e Haddad e de ascensão de Russomano. Ao que tudo indica, um dos dois institutos está errando. Independentemente das dúvidas sobre qual a tendência real dos números, o desempenho que o candidato Celso Russomano vem obtendo êxito considerável.
Se Russomano passar para o segundo turno em primeiro lugar, derrubará alguns mitos arraigados sobre campanhas eleitorais. Por exemplo, o mito do tempo de TV, o mito da ação milagreira do bom marqueteiro etc. No Brasil, dá-se demasiada importância ao marketing e subestimam-se as estratégias de campanha. Mesmo no terreno do marketing, a campanha de Russomano, com menos da metade do tempo de TV das campanhas de Serra, Haddad e Chalita, está dando um verdadeiro nó nas equipes desses três candidatos.
As equipes de marketing de Serra e Haddad cometem o mesmo erro básico: apresentam os candidatos de forma demasiadamente racional e autocrática. Todo o foco é no “eu fiz”, “eu resolvo” e “eu farei”. O pronome pessoal sigular “eu” tem um amplo domínio na comunicação dos respectivos programas de TV. A racionalidade das propostas e programas de governo não vem devidamente ladeada pelo necessário aspecto sensível da interrelação entre comunicador e alvo da comunicação, que nunca é um objeto passivo. Qualquer estudante de sociologia ou política sabe que a sociabilidade brasileira se define mais pela sensibilidade e emotividade do que pela racionalidade. Assim, uma boa proposta de governo deve servir de pretexto para um bom discurso político que seja capaz de tocar a alma, a sensibilidade e os sentimentos do eleitor.
A maior parte das análises produzidas até agora sobre a liderança de Russomano nas pesquisas tem se caracterizado pela precariedade. Sugere-se que se trata de um novo Collor, de um neomalufismo ou neojanismo etc. Alguns analistas chegaram a afirmar que o eleitorado classe C que vota em Russomano constitui a base da nova direita em São Paulo. Na verdade, o desempenho de Russomano tem razões mais simples e eficazes do que supõem as análises contaminadas por vieses ideológicos.
Como alguns já disseram, não é apenas um único fator que explica o desempenho de Russomano: o apoio evangélico-pentecostal, desgaste de Serra-Kassab, um menor grau de Haddad pelo eleitor etc. Mas Serra e Haddad também têm algumas condições de vantagem que Russomano não tem. Sopesando vantagens e desvantagens de uns e de outros, há que se ver o que constitui a singularidade de Russomano que o projeta na liderança das pesquisas.
Ao que tudo indica, a singularidade de Russomano se assenta sobre dois elementos vinculados a uma estratégia de comunicação e de relacionamento político com o eleitorado, muito bem definidos. O primeiro pode ser caracterizado como ação pastoral. Esta técnica de comunicação e de abordagem das pessoas, muito usada pelas igrejas cristãs, foi trazida para a esfera da campanha política e no relacionamento do candidato com o eleitor.
A ação pastoral pode ser definida como uma abordagem das angústias e das aspirações das pessoas. Ela envolve a idéia do serviço aos necessitados, de diálogo com as pessoas, do cuidado com elas. Em parte, este tipo de comunicação pastoral já vinha sendo feito por Russomano no programa “Patrulha do Consumidor”. Ação pastoral é aquela do pastor que cuida do seu rebanho e, como se diz no âmbito do pastoreio pentecostal, “o bom pastor cheira as ovelhas e elas o identificam”. Na ação pastoral predomina os pronomes plurais “vocês” e “nós”. Na TV Russomano aparece conversando com o povo na rua ou conversa diretamente com o telespectador que está sentado na sala de estar de sua casa.
Se no primeiro aspecto daquilo que constitui a singularidade de Russomano ele se comporta como pastor, no segundo ele se comporta como psicanalista ou como psicólogo: ele escuta as pessoas. Aquele que escuta ouve alguém que tem a necessidade de falar e de ser ouvido e mostra interesse pelo outro. Ao mostrar-se interessado pelo outro (pelo eleitor), aquele que é ouvido sente-se valorizado e tem no ouvidor um interlocutor. O psicanalista que escuta usa palavras como “entendo”, “vamos buscar soluções para este problema” ou “compreendo como sua situação é difícil”.
Ao escutar o eleitor, o candidato estabelece um vínculo de afetividade, torna-se o destinatário dos desejos e das aspirações daquele que quer falar ao representante político que, no Brasil, é sempre pouco apto a ouvir e muito ativo em impor. A escuta cria um trânsito comunicativo entre o candidato que consegue escutar e que consegue cuidar. Este torna-se um paradigma do eleitor e surge como “o homem do povo”. Isto não significa que o será realmente. Uns usam essas técnicas para o engodo, ouros para realizar uma missão verdadeira, pois são vocacionados para liderar e conduzir. O discurso meramente racional do programa de governo, por mais qualificado que este seja, não consegue estabelecer as devidas conexões com o eleitor.
*Aldo Fornazieri – Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
PROCESSO & DECISÃO CONSULTORIA Seção Documentos da História . Outubro de 2013