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O Nordeste é a maior região administrativa do Brasil em número de Unidades da Federação (nove estados) e, ao longo da história nacional, tem estado no centro das atenções de diversos agentes culturais, sociais e políticos, seja para oferecer uma abordagem positiva como negativa quando nós (em seu sentido mais amplo) nos referimos à sua gente e ao seu desenvolvimento. De forma simplificada, a imagem é negativa quando se fala de seu grau de desenvolvimento, e positiva quando se refere às suas festas e belezas naturais.
Vários relatos e explicações são dados para suas condições de vida, o que inclui a política e a economia, sendo que a seca é o pano de fundo que historicamente articulou diferentes situações como um grande flagelo. Em tais explicações estão também o latifúndio improdutivo e o coronelismo como um processo de dominação política e social. Além dessas construções simbólicas, o Nordeste também tem sido um campo de análise política atual, especialmente diante das recentes oscilações na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Minha principal razão para escrever o presente artigo deve-se ao fato político-eleitoral de que pesquisas de opinião recentes sobre avaliação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicam que ele tem perdido popularidade em todo país, mas de forma contundente na região Nordeste, onde sempre foi sua praça-forte, embora em outro artigo eu já tenha demonstrado que tal interpretação tem limitações e algumas falhas.
O presidente Lula, embora se constituindo em um migrante do Nordeste brasileiro rumando com sua mãe e irmãos em direção a São Paulo no começo dos anos 50, aqui chegou ainda criança, onde viveu praticamente toda a sua vida, permitindo que ele fosse visto por muitos outros nordestinos tanto migrantes quanto os que sempre lá viveram ou retornaram, como mais um deles, mas que frente às adversidades sociais conseguiu vencer na vida e faz pelos mais pobres. Tal percepção talvez tenha sido seu maior ativo político-eleitoral.
Diante do que expus até aqui, creio ser conveniente responder à pergunta se e/ou quanto os nove estados da região Nordeste se constituem em uma unidade sólida que permita ser enxergada como bloco único e indivisível, ou, ao menos como sendo nitidamente diferente do restante. Admito que ninguém que eu saiba fez tal afirmação sobre a região, mas está subentendida em diversas adjetivações para definir a região. Para responder à pergunta, apresento indicadores políticos-eleitorais e sociais.
Sob o critério político-eleitoral e partidário e, também ideológico há um quadro claramente vitorioso das legendas de esquerda, ou ao menos das que contam em seus estatutos, manifestos e programas referências ao socialismo em maior ou menor grau (PT, PSB, PDT e PC do B). E nesse grupo, como na região Nordeste, há uma clara predominância do Partido dos Trabalhadores (PT) ao longo de 20 anos na região, seguida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) como parte das oito organizações partidárias que disputaram e venceram ao menos uma contenda eleitoral.
Das seis eleições em nove estados, os partidos à esquerda obtiveram 35 vitórias (64,8% das 54), embora o PT e PSB sejam as organizações que efetivamente contam. O primeiro elegeu um total de 17 governadores (31,5% de um total de 54 pleitos realizados) e um deles já a partir de 2002, no Piauí (PI), no mesmo ano em que Lula se elegeu presidente e no decorrer dos anos o partido foi vitorioso em até cinco dos nove estados. Além do PI, a agremiação venceu na Bahia (BA), Ceará (CE), Rio Grande do Norte (RN) e Sergipe (SE).
Ou seja, o PT elegeu muitos governadores na região, mas ainda não governou Alagoas (AL), Maranhão (MA) Paraíba (PB) e Pernambuco (PE). E foi no mesmo estado do PI, onde obteve sua primeira vitória no Nordeste, em 2002, que o PT alcançou o maior número de vitórias, juntamente com o da BA, cinco em cada um. No primeiro estado só não venceu em 2010 e na BA em 2002.
O PSB, por sua vez, está posicionado em seguida com 15 vitórias na região (27,8% das 54 possíveis). Porém, se o número total de conquistas foi ligeiramente menor que as do PT, as obteve em sete estados da região, duas a mais que o concorrente, as obtendo em AL, CE, MA, PB, PE, PI e RN. Portanto, o PSB ainda não elegeu governadores na BA e SE. É nos estados da Paraíba (PB) e Pernambuco (PE) que a sigla se saiu melhor vencendo quatro vezes cada nas seis eleições desde 2002.
Portanto, sob o recorte eleitoral e partidário, dois partidos da esquerda são os maiores vitoriosos, mas só mediante a soma destas é que tais êxitos alcançaram e superaram a maioria absoluta das disputas para o executivo estadual (59,3%) desde então. Ou, dizendo de outro modo. Há diferenças internas no Nordeste sob este critério.
Ainda sob o prisma eleitoral, mas sob o enfoque dos cidadãos que foram vitoriosos nas 54 disputas, o número de diferentes indivíduos eleitos é de 36 (42,8% do total), pois mais de um governador disputou e venceu disputas pela reeleição. Dos 36, 20 se elegeram no período apenas uma vez e 16 mais de uma. José Wellington Dias (PT), atual ministro do Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome, é quem mais governou no período dentre os nove estados, vencendo as eleições em seu Piauí em quatro oportunidades (2002, 2006, 2014 e 2018) e todas no primeiro turno.
Aproveito o exemplo que acabo de dar, que se trata de algo excepcional, e chamo a sua atenção para o fato de que 21 das 54 eleições foram decididas em segundo turno ao menos uma vez nos nove estados, o que responde por 38,9% desse conjunto se constituindo em um número bem expressivo, embora minoritário, a demonstrar o grau de competição. Os estados da PB (5) e RN (4) são os que mais tiveram pleitos decididos somente no segundo turno. De qualquer maneira, este percentual de decisões em segundo turno no Nordeste só foi maior que na região Sudeste (33,3%).
O PT, como o partido mais vitorioso da região, venceu 14 dos 17 pleitos no primeiro turno, e só em três precisou do segundo turno (2014 no Ceará, 2018 no Rio Grande do Norte, e 2022 na Bahia). Ora, o PSB, como segundo partido mais vencedor no Nordeste, venceu oito das 15 no primeiro turno, encontrando mais dificuldade que o PT para finalizar a disputa já no turno inicial.
Dos 22 candidatos vitoriosos pelas outras seis legendas as vitórias em primeiro e segundo turnos se dividiram pela metade, ou seja, onze para cada lado.
Em uma breve passagem pelas outras quatro regiões do Brasil (Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), que reúnem um total de 110 pleitos em 20 anos (de 2002 a 2022) três legendas à esquerda (PT, PSB e PDT) obtiveram somente 22 conquistas (20%) distribuídas em onze das 27 Unidades da Federação (UsF), apresentando a mesma ordem da Região Nordeste, isto é, o PT à frente com nove vitórias (Acre – AC; Distrito Federal – DF; Minas Gerais – MG; Mato Grosso do Sul – MS; Pará – PA; e Rio Grande do Sul – RS). Por sua vez, o PSB em seguida com sete (Amapá – AP; Distrito Federal – DF; Espírito Santo – ES; e Rio de Janeiro – RJ), e, finalmente o PDT com seis no Amazonas (AM), Amapá (AP) e Mato Grosso (MT). Estas legendas, portanto, não venceram.
Para que nosso eventual leitor tenha uma ideia, os partidos que elegeram ao menos um governador em todo o País desde 2002 somam 16, contando como só um todos que trocaram de nome, ou incorporaram outros ou, ainda, se fundiram. E a única região em que dois partidos se sobressaíram aos demais em resultados favoráveis foram o PT e o PSB no Nordeste; ali ambas as agremiações perfizeram cada uma 65% de todos que foram eleitos pelas duas no Brasil.
Assim, para efeito interno da região Nordeste, há sim diversidade de organizações políticas com capacidade de competir, embora tal diversidade esteja muito concentrada em dois partidos de esquerda. Porém, quando se compara o Nordeste às outras quatro regiões brasileiras, a identidade desta se apresenta com nitidez, mesmo que se leve em conta que nenhuma outra tenha tantas Unidades da Federação.
Na segunda parte deste artigo, examinarei em mais detalhe os elementos econômicos e sociais que contribuem para essa identidade política, ainda que, como vimos até aqui, não se possa falar em uma total homogeneidade regional.
Para acessar Anexos que se relacionam ao presente artigo
*RUI TAVARES MALUF.. Pesquisador, consultor e professor universitário. Ex-professor da Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo – Escola de Humanidades (2005-2022), das Faculdades Campos Salles (2001-2011) e de outras instituições de ensino superior em níveis de graduação e pós-graduação. Fundador e editor da consultoria e do site Processo & Decisão. Doutor em ciência política (USP). Mestre em ciência política (UNICAMP). Autor dos livros Eleições Presidenciais na América do Sul (2025); Amadores, Passageiros e Profissionais (2011) e Prefeitos na Mira (2001), os dois últimos pela editora Biruta. Autor de inúmeros artigos sobre política municipal, nacional e internacional do Brasil em relação aos países da América do Sul.
Orçamento federal: a falta de zelo dos representantes do povo
Ler também Oportuna convergência de acontecimentos
Os poderes executivo e legislativo no Brasil jamais conferiram significativa importância à lei orçamentária anual (LOA), comportamento este que já é bem conhecido por todos que se interessam e acompanham a vida pública de nosso País, apesar de que a partir da implantação do Plano Real (1994) e, posteriormente, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, Lei Complementar 101 de maio de 2000), tenha havido certo avanço na segurança, transparência, responsabilização, e aplicação dos recursos públicos. Ainda assim, a tramitação e aprovação do projeto da lei orçamentária anual (PLOA) pouco mudou, especialmente quanto a sua aprovação. Assim sendo, mais uma vez nesse ano de 2025 o orçamento federal anual não foi votado no prazo esperado, ou seja, até o encerramento da sessão legislativa anterior ao ano em que deve vigorar. Isso ocorreu a despeito de o relator da matéria na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), senador Angelo Coronel (PSD-BA) ter conseguido aprovar relatório preliminar em 6 de dezembro e de alguns parlamentares terem afirmado na oportunidade que a mesma poderia ser aprovada antes do recesso parlamentar.
O pouco zelo, ou falta de seriedade de grande parte das nossas autoridades, contrasta com o que os próprios representantes do povo ao longo do tempo consagraram no texto da Constituição Federal (CF), o qual dedica ao assunto na seção II Dos Orçamentos (Capítulo II – Das Finanças Públicas) nada menos que 4.889 palavras ou 25.761 caracteres sem espaço que estão distribuídos entre os artigos 165 e 169, sem contar referências indiretas em outras partes do texto (e sem levar em conta outras passagens do texto constitucional que se relacionam com a matéria). E contrasta também com a lei complementar 101 (LRF) e a lei 4.320 de 17 de março de 1964, que acabou de completar 61 anos de vigência com várias modificações, e também com outras leis, e se prestou (e ainda se presta) a estabelecer “normas gerais do direito financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União e dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”.
Nisso tudo há uma ironia, pois a CF, em seu artigo 84 inciso XXIV, afirma que entre as atribuições privativas do presidente da República está a de “prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior”. Ou seja, o orçamento de 2025, que foi finalmente votado e às pressas de uma hora para outra no dia 20 de março, ocorreu na metade do prazo para que o presidente informe ao parlamento brasileiro sobre como gastou o dinheiro público em 2024, bem como da data para enviar o projeto de lei das Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o exercício de 2026.
Ora, aprovar e publicar a matéria antes do início do exercício (acredito que o leitor há de concordar comigo) se trata antes de qualquer obrigação legal de uma questão de bom senso por envolver, entre outras coisas, assunto de alta complexidade e dispondo sobre recursos que envolvem trilhões de reais da sociedade brasileira. Mais do que isso, não são poucos os especialistas no estudo do orçamento público que o tratam como a mãe das políticas públicas uma vez que quase todas as ações, programas e políticas governamentais passam por esta norma. Dito isso, para o caso atual, não basta que a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) para o orçamento 2025 tenha sido aprovada ainda em 2024, conquanto esta só tenha sido publicada no último dia do ano, o que já configura enorme distorção, pois como seu próprio nome diz se trata das diretrizes para as receitas e despesas e não se constitui na alocação efetiva dos recursos monetários pelos órgãos do governo e por seus programas.
A LDO foi aprovada em 2024 basicamente porque a CF em seu artigo 57 parágrafo 2º determina que “A sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias”, sendo que o mesmo artigo afirma em sua parte introdutória (caput) que as reuniões anuais (ou sessões) do Congresso Nacional (CN) se dividem em duas partes, a saber: a primeira de 2 de fevereiro a 17 de julho e a segunda de 1º de agosto até o dia 22 de dezembro. Mais do que isso: no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da CF já previa a separação temporal do envio dos projetos de lei de LDO e da LOA de forma a que o primeiro fosse remetido até oito meses e meio antes do “encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa” e o segundo “até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa”.
Pois bem, isso significa que o PLDO para o próximo ano terá de ser enviado no mês de abril e devolvido para sanção até o final do primeiro período da sessão legislativa que se encerra em 17 de julho e o da LOA até 22 de dezembro, embora como já seja de conhecimento geral isso não ocorre, pois não há penalidade para os responsáveis pelo descumprimento dos prazos. Quando muito, o poder executivo tem uma limitação do montante para gastar de um doze avos. Desse modo, os parlamentares teriam praticamente cinco meses para aprovar o orçamento tendo a referência da LDO para facilitar o processo legislativo. Há mais de uma razão técnica para a PLDO ser aprovada bem antes da PLOA, pois se trata das linhas gerais a serem seguidas pelo orçamento e, assim, se faz necessário um tempo para que esta última se harmonize a primeira, considerando, ainda, que há toda a discussão política sobre os valores a serem alocados em órgãos e programas.
E o leitor há de considerar também o lapso de tempo entre a devolução ao presidente da República da matéria votada e aprovada, invariavelmente modificada pelos deputados e senadores, a fim de que este possa, com o apoio de sua assessoria, examiná-los e decidir por sancioná-los integralmente ou apor um ou mais vetos. Mesmo que se afirme que a base do governo acompanha de perto as mudanças, sendo que a própria base também promove, o poder executivo estaria inteirado de tudo. No entanto, como as mudanças de última hora são muitas, não há outro caminho se o chefe do executivo deseja que seus propostas e interesses fluam bem.
Basicamente, o mote do atraso atual decorre das tensões entre os três poderes quanto ao que se convencionou chamar de “emendas secretas”, que são as emendas parlamentares impositivas e não impositivas. Especialmente as voluntárias careciam de objeto definido e tornavam impossível saber como os beneficiários (estados ou municípios) alocavam os recursos recebidos, e, também o autor era desconhecido. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, fez exigências ao Congresso Nacional (CN) para que as emendas parlamentares pudessem tramitar, mas com transparência e meios de monitoramento. As emendas impositivas estão previstas no artigo 166-A da CF.
Ainda em novembro de 2024, como parte do acordo com o STF, o CN aprovou a lei complementar 210 de forma a assegurar algum rito e clareza à tramitação dos recursos previstos nas emendas e seu destino final. Não obstante a aprovação da referida norma propiciar algum controle público sobre os recursos aprovados pelos parlamentares por meio de suas emendas, a redação ficou a desejar denotando má técnica legislativa. Já em 2025, no último dia 13 de março, os parlamentares aprovaram o projeto de Resolução (PR-1/25) modificando as regras de funcionamento da Comissão Mista de Orçamento a qual foi promulgada no dia 14 (Resolução 1/06) de forma a “adequar o texto ao plano de trabalho acertado entre os Poderes para a apresentação e execução das emendas parlamentares ao Orçamento”. Todavia, esta adequação resultou em um certo drible no STF, pois a autoria individual das emendas passa a ser do líder dos partidos. A demora também se deveu ao conflito do poder legislativo com poder executivo, pois este queria alocar muitos recursos em certos programas (Vale Gás, Pé de Meia) sem apresentar antecipadamente ao CN se isso implicará redução ou cancelamento de outros, além da questão do equilíbrio fiscal.
Se no presente ano esta foi a principal razão, sempre haverá explicações para o atraso, mas que não se justificam uma vez que o orçamento anual é a mais importante política pública regular de um governo (e como disse atrás, a mãe das políticas públicas), devendo, assim, ser encarado como política de estado ao menos na seriedade e respeito ao ser analisado, debatido e votado.
No momento em que eu começava a escrever este artigo, o atraso da PLOA (formalmente designada PLN -26/2024) era de 77 dias a contar do dia 1 de janeiro, bem acima da média histórica de 49,2 dias tendo como base o referente ao ano de 1989 (e já incluída a publicação da lei), o primeiro após a promulgação da Constituição Federal (CF) de 5 de outubro de 1988. Em dois anos apenas (isto é, para os exercícios de 1998 e 2009) de um total de 36, a LOA foi votada, sancionada, e publicada dentro do prazo. No 79º dia do ano, finalmente, a PLOA foi aprovada em votação simbólica e às pressas, mas como destaquei em parágrafo anterior, o presidente ainda precisa apor sua assinatura para transformá-la em lei e a mesma ser publicada a fim de que possa gerar efeitos. E antes disso o próprio Congresso Nacional precisa devolvê-la ao executivo para que isso ocorra, o que não havia sido feito, aparentemente, até a sexta-feira, 21 de março. Portanto, a distância em relação a média histórica aumentará fatalmente.
Para encerrar este assunto, deixo ao leitor a seguinte indagação: como será o comportamento do governo e dos congressistas no presente ano ao tratarem das PLDO e PLOA para o próximo exercício no qual haverá eleições gerais? Será que este fator levará a aprovação do orçamento de 2026 antes do recesso parlamentar, ou ao menos antes de 31 de dezembro? Tendo por base os anos anteriores às nove eleições presidenciais desde 1989, somente o orçamento para o ano de 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, a lei foi sancionada e publicada ainda no exercício anterior. Além disso, em dois anos anteriores aos eleitorais se situam os maiores atrasos de todos os medidos até aqui. O primeiro para o exercício de 1994 quando a lei só foi aprovada em novembro, com 313 dias de atraso. Há que se reconhecer que 1994 foi um ano especial em consequência da implantação do Plano Real em 30 de junho tendo por base a Medida Provisória (MP) número 542, mas ainda assim foi muito tempo. E o outro foi na eleição de 2006 quando o atual presidente Lula tentaria a reeleição e a alcançou. Foram 136 dias. Portanto, de forma geral, o ano antecedente ao da eleição tem sido encarado de forma não muito diferente do que os demais.
*RUI TAVARES MALUF. Pesquisador, consultor e professor universitário. Ex-professor da Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo – Escola de Humanidades (2005-2022), das Faculdades Campos Salles (2001-2011) e de outras instituições de ensino superior. Fundador e editor da consultoria e do site Processo & Decisão. Doutor em ciência política (USP). Mestre em ciência política (UNICAMP). Autor dos livros Eleições Presidenciais na América do Sul (2025); Amadores, Passageiros e Profissionais (2011) e Prefeitos na Mira (2001), os dois últimos pela editora Biruta. Autor de inúmeros artigos sobre política municipal, nacional e internacional do Brasil em relação aos países da América do Sul
***Veja ao final relação de indiciados e investigados pela Polícia Federal***
Na quinta-feira, 21 de novembro de 2024, às 15hs26ms, por meio do portal do Governo Federal, mais especificamente na página do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Polícia Federal (PF) comunicou o encaminhamento do seu relatório final ao Supremo Tribunal Federal (STF), mediante o indiciamento de 37 pessoas, publicando seus nomes, as quais foram indiciadas na apuração da “existência de uma organização criminosa que atuou de forma coordenada, em 2022, na tentativa de manutenção do então presidente da República no poder”, um eufemismo empregado para tentativa de golpe de estado. O momento desse acontecimento, menos pelo dia e hora, mas sim pelos fatos graves ocorridos no corrente ano, propicia o que poderá ser uma feliz convergência em meio às incertezas que pairavam sobre as instituições públicas que dão forma ao regime democrático e integram o estado de direito no Brasil. Esclareça-se para quem não acompanhou a divulgação oficial que a mesma se justificou a fim de “evitar difusão de notícias incorretas”. A publicação limitou-se a esta explicação e aos nomes dos indivíduos indiciados.
Antes de eu seguir para o que efetivamente me interessa nesse texto, vale sublinhar que a entrega do relatório final e indiciamento ocorreram dois dias após a prisão pela PF de quatro militares do exército (um da reserva e três da ativa) e de um policial federal que planejariam matar o presidente Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin antes que tomassem posse, além do ministro do STF Alexandre de Moraes, e no mesmo dia do final de um evento internacional da maior importância, se não quanto ao seu objeto, mas certamente quanto às implicações de segurança devido à presença de muitos chefes de estado e de governo ao G-20. O indiciamento se deu ainda oito dias após o desconhecido (para nós) Francisco Wanderley Luiz se suicidar com explosivo por ele mesmo construído e após fracassar em seu intento aparentemente pensado e planejado havia vários meses de cometer um atentado contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Eu poderia arrolar outros fatos mais ou menos relacionados também ocorridos no presente ano, mas nenhum me parece tão necessário de destacar quanto o que se passou no primeiro semestre quando o STF julgou em definitivo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI-6.457) impetrada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 2020 para questionar a aplicabilidade de partes da Lei Complementar (LC-97/1999), sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que “Dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas”. À época, em meio à pandemia da covid-19 e com atitudes da Presidência de Jair Messias Bolsonaro oscilando entre o descaso com a saúde pública do País e com as vítimas fatais aumentando aceleradamente dia a dia, e as reiteradas tentativas de intimidação às autoridades constituídas, ele e seus apoiadores recorriam frequentemente ao termo “poder moderador” para conferir uma suposta atribuição e legitimidade para as Forças Armadas assumirem o controle do governo se convocadas pelo presidente da República em uma situação de desordem.
A decisão em relação à ADI-6.457 tomada pelo STF “por unanimidade” de seus membros deu a seguinte interpretação aos artigos 1º, caput, e 15º parágrafos 1º, 2º e 3º:
Os itens i e iii me parecem os de maior contundência para qualquer olhar desavisado por explicitar que estas não se constituem em “poder moderador” e que o emprego das mesmas jamais poderá atentar contra qualquer um “dos poderes constitucionais”.
Por mais que se afirme que o papel pode abrigar qualquer coisa e que isso não é garantia de que aquilo que está escrito seja acatado, é relevante ter presente que a clareza e boa construção de um texto importam muito em sua consecução, bem como tais palavras escritas são mobilizadas em várias outras atitudes tanto pelos atores políticos quanto pela imprensa e pela sociedade de modo geral. Pois é o conjunto de ações que dá significado social e serve de advertência que haverá consequências penais para todos aqueles que atentarem contra o regime democrático.
Creio não ser menos conveniente reconhecer que o indiciamento dessas 37 pessoas, bem como de outros que vierem a sê-lo pelo ato de 8 de janeiro de 2023, não significa o julgamento antecipado de ninguém. No entanto, fatos públicos protagonizados pelos principais atores políticos ao longo do governo de Jair Bolsonaro, incluindo o próprio, e do que se passou na transição para o atual governo demonstram que, salvo situações específicas, é preciso que haja penalidades fortes com aplicação de multas e desdobradas em prisões a serem cumpridas. Este sim é um meio de defesa poderoso do regime democrático. É irônico, mas preocupante, pensar que Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.197 no dia 1 de setembro de 2021 (que pôs fim a de Segurança Nacional), conhecida como de Defesa do Estado de Direito, que aponta com muita clareza os crimes a que ele e/ou muitos dos que hoje estão indiciados poderão ser condenados.
E ainda na esfera do que o estado pode fazer para que o regime democrático possa viver tempos melhores se faz imperioso que haja veto efetivo e sem brechas aos militares da ativa de todo e qualquer envolvimento com a vida política. Ou seja, que as manifestações se deem exclusivamente de forma oficial e em relação limitadas às questões institucionais que digam respeito à própria atividade das forças. Mais do que isso, tal veto teria de abranger policiais civis e militares, bem como servidores das demais carreiras estratégicas do estado. Portanto, a abstenção de protagonismo político é o que se impõe a todos que já se encontram na carreira pública, e que esteja muito claro para os que nesta pretendem ingressar.
Observe o leitor que os regulamentos disciplinares das três forças armadas foram aprovados em anos muito distintos, embora sejam razoavelmente claros e específicos em relação aos vetos, punições ou condições muito estritas para a manifestação política de todos seus membros. O regulamento da Aeronáutica é de 1975 (o mais antigo dos três), e início da distensão do regime militar sob o governo do general Ernesto Geisel. Uma única alteração em sua redação ocorreu de lá para cá, e se deu em 1988, ano em que a atual Constituição foi promulgada.
Em seguida vem o regulamento disciplinar da Aeronáutica, o qual foi aprovado em 1983, sob o governo do último presidente militar, general João Baptista Figueiredo, mas assinado pelo vice-presidente da República no exercício da presidência, Aureliano Chaves e sofreu duas grandes alterações nos anos de 1987 e 1993, isto é, um se dando na transição do regime autoritário para o democrático e o outro já sob a égide da atual Constituição.
Por sua vez, o regulamento disciplinar do Exército é o mais atual tendo sido aprovado em 2002, além de se constituir no primeiro a ocorrer já sob a existência do ministério da Defesa, o qual substituiu os ministérios das três forças e que foi criado pela mesma lei complementar que teve trechos questionados por meio da ADI-6.457. É bem sugestivo que a principal força armada do Brasil conte com o regulamento disciplinar mais recente, mas ainda assim (e apesar desses documentos das três forças preverem punições quando se constatam transgressões) seria recomendável que suas redações fossem aprimoradas e com um pouco mais de profundidade, talvez tornando manifestações políticas contra a ordem democrática como crime, conquanto as normas superiores tratem disso.
Os acontecimentos de 2024, por mais que alguns destes tenham sido angustiantes encontram no julgamento da ADI-6.457 o ponto de convergência para que se possa por fim sobre qualquer noção de uma indevida tutela militar a qual a constituição, a democracia e a hegemonia do poder civil teriam de se submeter. Certamente que tais fatos não põem fim por si só à característica da polarização política vigente no País, mas tende a dificultar muito que os setores radicalizados venham a tentar mobilizar recursos institucionais para golpear a democracia e o estado de direito.
PALAVRAS-CHAVES (TAGs): - Ação Direta de Inconstitucionalidade; ADI-6457; Partido Democrático Trabalhista; PDT; Polícia Federal; Relatório final da PF
E após a relação de nomes há uma cronologia dos eventos, com base no relatório da PF.
O relatório final da Polícia Federal (PF) indiciou 37 indivíduos que cometeram três (3) crimes a saber: 1) tentativa de abolição violenta do Estado democrático e de direito; 2) tentativa de golpe de estado; e 3) organização criminosa. Depois disso, outras pessoas foram indiciadas e já constam da lista a seguir. As penas podem variar de 12 a 28 anos de prisão.
Porém, em 18 de fevereiro de 2025, quando o o procurador-geral da República (PGR) PAULO Gustavo GONET Branco (63) apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a maioria dos integrantes dessa lista, o que inclui o ex-presidente Bolsonaro. Todavia, há nomes que não foram denunciados, sendo que alguns são objeto de citação no corpo do texto de Gonet (cor azul) enquanto outros nem aparecem no seu relatório final (estes estão em cor rosa). Esse fato não deixa de ser interessante ao sugerir ao mais de uma hipótese: 1), os elementos que levaram ao indiciamento eram frágeis; e, 2) omissão deliberada do procurador a fim de aguardar informações complementares da PF e que não merecem ser mencionadas no momento. Além disso, há outras quatro (4) pessoas que foram incluídas a partir de inquéritos à parte do mencionado indiciamento.
E a seguir nomes que apareces nas investigações, mas não estão entre os 37 indiciados originalmente nem em sua atualização de 11 de dezembro de 2024.
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Ouça o áudio com a fala do general Mario Fernandes
E aqui o áudio do coronel Reginaldo de Abreu ao general Mário Fernandes
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Ser imigrante e ser estrangeiro em um país não significam exatamente as mesmas coisas, embora todo e qualquer imigrante seja, antes de tudo, de outra nacionalidade, e, portanto, um estrangeiro. No Brasil, de acordo com a lei 13.445/17 que instituiu a Lei de Migração, o imigrante é a “pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil”. Embora os termos estrangeiro (57) e estrangeira (7) sejam citados 64 vezes no texto da referida norma contra apenas 26 de imigrante, não há no mesmo qualquer definição para tal pessoa. Clique aqui e continue a leitura
PALAVRAS-CHAVES (TAGs): - Artigo; caged; Estrangeiro; fontes de dados; imigrante; Lei da Migração; Ministério da Justiça e Segurança Pública; Obmigra; observartório das migrações; Rui Tavares Maluf; sismigra
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Hoje, 8 de janeiro de 2025, o governo federal organizou o evento em defesa da democracia para lembrar a data de três anos dos atos que compunham a tentativa de golpe de estado contra o governo do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A importância da lembrança reside no entendimento de que aquilo foi muito mais um ato contra o regime democrático do que um ato contra o novo governante. Não só a data precisa ser lembrada como os principais culpados precisam ser punidos, especialmente seu responsável maior, Jair Messias Bolsonaro. Mas, compreensivelmente, muitos agentes políticos e da sociedade não parecem ter se sentido à vontade em participar direta ou indiretamente do evento por o entenderem como um ato político e partidário do atual governo e, assim, se caracterizando por um vezo ideológico.
Para muitos que se encontram no Partido dos Trabalhadores (PT) e nos grupos políticos da esquerda, o ato dessa quarta-feira deve ser encarado, talvez, como uma reafirmação de força política da democracia em face do que resultará sobre a mesma e para boa parte do mundo a partir da posse de Donald Trump na presidência da maior potência do planeta no dia 20 de janeiro, isto é, daqui a 12 dias somente, impacto este igualmente sobre os Estados Unidos da América (EUA). É desnecessário se deter no que poderá haver de ruim nesse segundo governo Trump seja para os regimes democráticos, quanto para a paz mundial, até pelo que já se pôde observar de suas falas nesses dias anteriores à sua posse, mesmo que possam conter blefes e manobras para evitar que os próprios cidadãos norte-americanos, especialmente os que nele votaram, se deem conta de certas políticas que serão deflagradas poderão ser diferentes de suas promessas feitas ao longo da campanha eleitoral.
Voltando ao dia de hoje, 8 de janeiro: é preciso dizer que muitos dos que se sentem desconfortáveis com o evento provavelmente o percebam como uma apropriação política do governo e do PT, mais do que algo que represente uma frente democrática. Some-se a isso, como o presidente Lula, desde o início do atual mandato, governa distante da “frente política” constituída entre os dois turnos de 2022. Ainda assim, isso não deveria ser uma desculpa para muitas das principais autoridades do País se ausentarem da solenidade, seja a que partido e/ou espectro político pertençam. Que não participassem pessoalmente, mas ao menos se pronunciassem claramente sobre a data.
Porém, um exemplo forte sobre tal desconforto passa pela data de 10 de janeiro, daqui a dois dias somente, quando o regime autoritário venezuelano na pessoa de Nicolas Maduro “tomará posse” para mais um mandato, impedindo o virtual vencedor do pleito de 28 de julho passado, Edmundo González Urrutia, de assumir o governo. Se por um lado o presidente Lula não fez um reconhecimento formal da vitória de Maduro por este não ter apresentado as atas eleitorais, ele que é um simpatizante do chavismo como o demonstram várias atitudes e frases ditas desde os tempos de vida do tenente-coronel e presidente Hugo Chávez Frías, por outro o fez mediante um reconhecimento implícito mediante a decisão de enviar uma diplomata brasileira à posse do mesmo.
Ora, como o governo venezuelano se diz de esquerda, se constituindo na força que inauguraria o Socialismo do século XXI, seja lá o que isso queira dizer para um regime atolado em inquestionável desigualdade social, desgoverno econômico, claríssimos atos de afronta aos direitos humanos via forte repressão política (mas não só), de corrupção desenfreada, cujos dirigentes se locupletaram para lá do pescoço, o governo brasileiro transmite a mensagem que reconhece sim o governo Maduro e de que só há democracia a ser defendida se esta envolver o “nosso campo ideológico”.
Nessa decisão do governo brasileiro, há um problema sério e grave, embora básico e de elementar entendimento, a saber: a democracia contemporânea só é democracia se for plural, ou seja, se reconhecer constitucionalmente o direito de forças políticas com diferentes programas e interesses a representar, conquanto se espere de todos que determinados limites não possam ser ultrapassados para assegurar sua própria sobrevivência. E que tais forças possam disputar o poder em bases iguais, ou o mais próximo disso, baseando-se na liberdade de pensamento, de propagação das ideias, e de organização política.
Observe o leitor que o reconhecimento diplomático de um governo não é a mesma coisa do reconhecimento de um estado soberano, portanto, não cabe ao governo brasileiro invocar “pragmatismo” para manter um “canal de conversação” aberto com Caracas devido a “interesses superiores”. Pergunto: o interesse da democracia não é superior, particularmente nessa quadra da vida brasileira e mesmo dos demais países democráticos? Até o momento, o dito pragmatismo brasileiro não obteve qualquer reciprocidade do regime autoritário venezuelano.
Portanto, o envio de um representante do governo brasileiro estará conferindo legitimidade a Maduro e seu regime em um ato que será inegavelmente utilizado pelo mesmo, muito embora qualquer analista político saiba que é baixíssima a probabilidade do ditador não continuar governando a partir do dia 10. No entanto, fazer o contrário, isto é, não enviar qualquer representante seria um claro sinal a Maduro e aos demais países de que o Brasil não o reconhece como autoridade legítima do povo venezuelano e de que os democratas em qualquer lugar do mundo são um só quando se trata de defender os pilares da democracia.
Finalmente, o que se passa na Venezuela não pode ser menos condenado do que se passou no Brasil com a instauração do regime autoritário de 1964 e na mais recente tentativa de golpe de estado culminando nos atos de 8 de janeiro. Como explicar o sequestro a luz do dia ocorrido em Caracas ontem, 7 de janeiro, do genro do presidente eleito Edmundo González quando levava seus filhos para a escola por homens encapuzados e armados? Até o momento da conclusão desse artigo, seu paradeiro era desconhecido.
PALAVRAS-CHAVES (TAGs): - Artigo; Brasil; datas históricas; ditador Nicolás Maduro; Edmundo González;
EUA; tentativa de golpe de estado; regime autoritário; presidente Lula; Rui Tavares Maluf; Venezuela;
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